domingo, 22 de março de 2020

E finalmente choveu



No domingo, eu vi, da minha janela, a chuva caindo e levando tudo, rua abaixo.
As folhas, a terra, à noite... tudo sendo levado pela enxurrada.
Não fechei a janela.
Não pude, não quis...
A chuva molhou de som o silêncio seco que sufocava a rua.
Ninguém lá fora
Nada aqui dentro
A quarentena imposta nos faz, a todos, reféns do medo.
Nada nem ninguém... só um cachorro aleatório, uivando,
talvez por solidão, talvez por frio, talvez por tristeza...
Não sei por quê...
E a chuva, alheia a tudo, caindo copiosamente, diante dos meus olhos insones, 
molhados pelas horas que se iam furtivas...
Chuva fria como álcool gel
Gélida chuva
Insones olhos
Olhos insanos
Tremendo pela noite, 
Temendo pela morte,
Pela vida que se perdeu, em alguma esquina do meu quarto vazio de cor, de luz, de sentido.
Que doença é essa que me aprisiona?
Medo viral
Vira medo real e me contamina
Se a chuva pudesse me lavar dessa angustia!...
Ah, se a chuva me levasse!...
Lavar as minhas mãos
Levar meus pés, para onde?
Ir para longe?
Não há lugar para onde ir,
Nem o que fazer, 
além de ficar quieto, enquanto a chuva cai, indiferente
A mente tranquila
(Tranquila mente?!)
Eu me finjo 
E fujo, me isolando da vida lá fora
Permaneço aqui dentro,
Aqui, do 4º andar, vendo a chuva caindo e levando
meu sono, as horas, minhas certezas, minha paz....
E a vida que eu tinha?
Se foi, com a chuva, pra nunca mais.

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